sábado, 15 de março de 2008

Maresia...

Hoje fui aqui...
As primeiras memórias que retenho da infância são olfactivas...o cheiro da pele dos meus pais, do cabelo da minha irmã (shampoo Johnson´s baby), da lenha húmida na casa dos meus avós, da relva acabada de aparar da casa dos meus tios....e o das manhãs enevoadas na praia.
Quem fez praia em Leça da Palmeira à 25 anos sabe do que falo, o aroma a iodo libertado pelas rochas batidas pela fúria do mar é único..não o encontrei nem nas mais belas e paradisíacas praias do mundo.

Éramos sempre dos primeiros a chegar à praia, de modo a que o meu pai pudesse ir trabalhar no mesmo carro de seguida (nessa altura conduzia orgulhosamente um Fiat 850 com bancos de napa castanha e não existiam "segundos carros"...) A minha mãe untava-nos com creme "Nívea" de lata azul estivesse sol ou névoa cerrada, logo depois de montar o guarda-sol azul marinho com franjinhas brancas e o apara-vento a fazer "pendant"...recordo-me de me ter perdido com cerca de 5 anos e olhar em volta e apenas vislumbrar uma praia enorme pontilhada de azul...todos iguais...valeu-me o facto dos adultos saberem a quem eu pertencia ...e...não haver pedófilos...

Brincávamos toda a manhã de volta das poças que noite renovara de água e moluscos, na busca incessante de caranguejos, peixinhos e camarões bébés. Ainda que não sonhássemos o que era uma Escritura de Aquisição tínhamos cada uma as suas poças e lagos devidamente baptizadas, sendo impensável que usurpássemos o local de pesca umas das outras. Nos dias de sorte a mãe deixáva-nos tirar a T-shirt durante a manhã (não havia loções com factores de protecção) e tomar banho, após o qual nos secava vigorosamente, trocando o calção em "crochet"por outro igualmente bonito (lembro-me de uns azuis marinhos com cerejas vermelhas de lado...) que fizera noutras tardes ociosas de praia...
Cerca das 11 horas palmilhava a praia uma senhora com uma lata à cabeça cheia de Bolas de Berlim, Caladinhos, Pastéis de Feijão, Caramujos...e uma vez por semana (sim...porque chegávamos a fazer dois meses de praia...) a troco de 7.50 esc deliciávamo-nos ao sol a degustar estas "delicatessen" ao invés das sandes com fiambre e "Tang" dentro de copos plásticos da Tupperware, cujo gosto se sobrepunha ao refresco.
Não havia telemóveis pelo ansiávamos pelo resto dos conhecidos de tantos anos de praia para que pudéssemos almoçar juntos, aconchegando vários guarda-sóis e formando círculos de apara-ventos para proteger a comida da nortada. Como não havia Ipods as mães tinham rádios de pilhas sintonizadas na Renascença, cujas melodias serviam de fundo ao ritual das refeições. Estando as mantas sacudidas da areia, começavam a abrir as Geleiras e Seiras de onde apareciam batatas fritas (cozinhadas às 7 da manhã em casa) e um tacho de arroz embrulhado em Jornal, logo seguido de panados... Hummmmm... Ainda hoje me questiono como se aguentavam as batatas às rodelas sequinhas e fininhas e aquele aromático arroz que tanta inveja provocava nas outras mães menos dotadas para estas lides. Para sobremesa fruta fresquinha e ocasionalmente gelado de morango com chocolate caseiro (de morrer por mais...). Durante o período da Digestão tínhamos permissão para ler, jogar às cartas ou dormir, sempre à sombra...porque a minha mãe tinha à sua responsabilidade as filhas, a Xana e a Betinha cujas mães trabalhavam até Agosto.
Após o tão ansiado banho de mar da tarde, que nos fazia perguntar as horas de 10 em 1o minutos, era altura de devolver ao mar todas as espécies que havíamos pedido emprestado, nos dias bons podíamos comprar um "FÁ" no Bar Azul, depois de guardarmos a tralha de veraneio no Barracão do Marinheiro, dentro de um enorme saco de ganga identificado com o nosso nome. O dia findava com o meu pai a recolher-nos,e nós cansadas com os olhos queimados do sol e do salitre, a tentar escapar aos bancos de napa quente que tanto ardiam nas pernas desnudadas, e às sapatadas uma à outra, circunvalação acima até chegar a casa, onde nos esperava um banho de banheira onde éramos esfregadas de fio...a pavio. A mãe não brincava em serviço...

Quando me perguntam porque tanto desejo este filho...lembro-me destes dias felizes e despreocupados da infância...ter um filho desejado não é egoísmo...é um supremo acto de despojamento e entrega a um ser maior que nós....maior que a vida.

2 comentários:

Babisonho disse...

Muitos Parabens pelo positivo, vai tudo correr bem, jinhos!!!

Sarita Catita disse...

Conseguiste mesmo transportar-nos para essas memórias de infância!
Ano passa às custas disso, aluguei durante um dia uma barraca na praia!
Em breve seremos nós a criar essas memórias nas estrelas que estão para chegar!

Beijocas!